domingo, 22 de fevereiro de 2015

LIVRO "POEMA DO AMOR ETERNO" - 1978



CENA   CAMPESTRE
                          Neumar M. Silveira
        
O galo da campina
ao longe canta forte.
O dia começou,
a hora se aproxima
em que, desfeitas as dores
da noite mal dormida,
vão os homens cansados
em busca de alimento.

São espectros de si mesmos,
na luta que não cessa,
que vai de sol a sol,
do dia que começa
e só termina à noite,
quando voltam para a aldeia.

E os homens encurvados
ao peso da desdita,
que só conhecem a dor
da faina rotineira,
retornam descontentes
aos humildes casebres,
chorando os desencantos,
com olhos de poeira.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

VOU-ME EMBORA PRO PASSADO


VOU-ME  EMBORA  PRO  PASSADO

                                    Jessier Quirino

Livro Prosa Morena

 Vou-me embora pro passado

Lá sou amigo do rei

Lá tem coisas “daqui, ó!”

Roy Rogers, Buc Jones

Rock Lane, Doris Day

Vou-me embora pro passado

Vou-me embora pro passado

Porque lá, é outro astral

Lá tem carros Vemaguet

Jeep Willes, tem Buick

Tem Candango e tem Rural

Lá dançarei Twisti

Hully-Gully, Iê, iê, iê

Lá é uma brasa mora!

Só você vendo pra crê

Assistirei Rim-Tim-Tim

Ou mesmo Jime é um Genio

Vestirei calças de Nycron

Foroeste ou Durabem

Tecidos sanfanrizados

Tergal, Percal e Banlon

Verei lances de anágua

Cambinação, califon

Escuterei Al Di Lá

Dominique, Niqui Niqui

Me fartarei de Grapete

Nas farras dos piqueniques

Vou-Me embora pro passado

No passado tem Jerônimo

Aquele Herói do Sertão

Tem Coronel Ludugério

Com O trope em discussão

Tem passeios de Lanbreta

De vespa, de Berlineta

Marinete e Lotação

Quando toca Pata Pata

Cantam a versão musical

“Tá com pulga na cueca”

E dançam a música sapeca

O Papa Hum Mau Mau

Tem a turma prafentex

Cantando Banho de Lua

Tem bundeira e peniqueira

Dando sopa pela rua

Vou- me embora do passado

Vou-me embora pro passado

Que o passado é bom demais!

Lá tem meninas “quebrando”

Ao cruzar com um rapaz

Elas cheiram a Pó de Arroz

Da Cashemere Bouquet

Coty ou Royal Briar

Colocam Rouge e Laquê

English Lavander Atkinsons

Da Helena Rubisteim

Saem de saia plissada

Ou de Vestido Tubinho

Com jeitinho encabulado

Flertando bem de fininho

E lá no cinema Rex (Monte Líbano)

Se vê broto a namorar

De mão dada com o guri

Com vestido de Organdi

Com gola de Tafetá

Os homens lá do passado

Só andam tudo tinindo

De linho Diagonal

Camisas Lunfor, a tal

Sapato Clark de cromo

Ou Passo-Doble esportivo

Ou Fox de bico fino

De camisas Volta ao Mundo

Caneta Shesfers no bolso

Ou Parker 51

Só cheirando Água Velva

A sabonete Gessy

Ou Life bowy, Eucalol

E junto com o espelhinho

Pente Pantera ou Flamengo

E uma trunfinha no quengo

Cintilante como o sol

Vou-me embora pro passado

Lá tem tudo que Ha de bom!

Os mais velhos inda usam

Sapato branco e marron

E chapéu de aba larga

Ramenzone ou Cury Luxo

Ouvindo Besame Mucho

Solfejando a meio tom

No passado é outra história!

Outra civilização...


      Tem Alvarenga e Ranchinho

Tem Jararaca e Ratinho

Aprontando a gozação

Tem assustado à Wermuth

Ao som de Waldir Calmon

Tem Long-Play de Mocambo

Mas Rosemblit é o bom

Tem Albertinho Limonta

Tem também Mamãe Dolores

Marcelino Pão e Vinho

Tem Bat Masterson, tem Lesse

Túnel do tempo, tem Zorro

Não se vê tantos horrores


Lá no passado tem Corso

Lança Perfume Rodouro

Geladeira Kelvinator

Tem rádio com olho mágico

ABC a voz de ouro

Se ouve Carlos Gualhardo

Em Audições Músicai

Piano ao cair da tarde

Cancioneiro de sucesso

Tem também Repórter Esso

Com notícias atuais.

Tem petisqueiro e bufê

Junto a mesa do jantar

Tem bisquit e bibelô

Tem louça de toda cor

Bule de ágata, alguidar

Se brinca de cabra cega

De drama, de garrafão

Camoniboi, bolinheira

De rolemã na ladeira

De rasteira de pinhão

Lá também tem radiola

De madeira de braquelita

Lá se faz caligrafia

Pra modelar a escrita

Se estuda a taboada

De Teobaldo Miranda

Ou na cartilha do Povo

Lendo Vovô viu o Ovo

E a palmatória é quem manda

Tem na revista O Cruzeiro

A beleza feminina

Tem misse botando banca

Com seu maiô de elanca

O famoso Catalina

Tem cigarros Yolanda

Continental e Astória

Tem o Conga Sete Vidas

Tem Brilhantina Glostora

Escovas Tek, frisante

Relógio eterna Matic

Com 24 Rubis

Pontual a toda hora

Se ouve página sonora

Na voz de Ângela Maria

“- Será que sou feia?

- Não é não senhor!

- Então eu sou linda?

-Você é um amor!”

Quando não querem a paquera

Mulheres falam “Passando”

Que é pra não enganchar!

“Achou ruim, dê um jeitim!”

“Pise na flor e amasse!”

E ai é Pofe! É quizila

Mas o homem não cochila

Passa o pano com o olhar

Se ela toma Postafem

Que é pra bunda aumentar

Ele empina o polegar

Faz sinal de “tudo X”

E sai dizendo “ Ô Maré!”

Todo boy, mancando o pé

Insistindo em conquistar

No passado tem remédio

Pra quando se precisar

Lá tem Doutor de família

Que tem prazer em curar

Lá tem Água Rubinat

Melpoejo e Amaspan

Bromil e Capivarol

Arnica, Phimatosan

Regulador Xavier

Tem Saúde da Mulher

Tem Aguardente Alemã

Tem também Capiloton

Pendit e Terebentina

Xarope de Limão Bravo

Pílulas de vida do Dr. Ross

Tem também aqui pra nós

Uma tal Robusterina

A saúde feminina

      Vou-me embora pro passado

Pra não viver sufocado

Pra não morrer poluído

Pra não viver enjaulado

Lá não se vê violência

Nem droga nem tanto mal

Não se vê tanto barulho

Nem asfalto nem entulho

No passado é outro astral

Se eu tiver qualquer saudade

Escreverei pro presente

E quando eu estiver cansado

Da jornada, do batente

Terei uma cama patente

Daquelas de selo azul

Num quarto calmo e seguro

Onde descansarei

Lá sou amigo do rei

Lá tem muito mais futuro

Vou-me embora pro passado








quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

LIVRO "POEMA DO AMOR ETERNO" - 1978



CANTIGA
                          Neumar M. Silveira

Na canção que canto,
eu me completo.
É mais que o sonho,
é mais que o teto
que me agasalha as noites
e me protege dos dias.

È uma canção
dolente de saudade.
Onde se esquece tudo,
e a realidade
se nos parece bela
embora seja triste.

È cantiga de amor
que me enternece.
Que me envolve a alma
como a prece,
e traz docemente
consolo ao coração.

Ah ! Canção de nós dois,
quantas lembranças !
Meigos tempos,
os de criança,
que se perderam tristonhos
na voragem dos anos.