sexta-feira, 30 de outubro de 2020

CRÔNICAS & ARTIGOS

 

BUSCO  O  NATAL  -  NF 12 - 2006

                                                                                                    Neumar Monteiro

                                                                            

Busco o Natal a cada tempo, no sorriso da criança, no sentimento de amor, no pão repartido e nos olhos que enxergam além. Busco o Natal! Só ele me leva ao paraíso perdido dessas coisas não mais encontradas nos anseios da modernidade, tão repletos de expectativas e desencontros.

Natal é nascer. Reviver das cinzas! Ícaro que inventa outra maneira de voar, Pierrot que busca a Colombina, luta que anseia trégua e barco que persegue o mar. Não esta  improvisação de versos, nem a imposição do comércio, nem o desassossego de agradar. De paz, que satisfaz, preenchendo o vazio de Deus.

Se é Natal, deve ser pleno e consciente - ardente como as velas natalinas. Deixar-me queimar de amor e aromatizar os corações com o perfume da minha fé. Dar um grito de liberdade para assustar os grilhões de tanta modernidade que só pensa em si mesma, egoísta e cruel.

Um dia que não é preciso chorar sobre o leite derramado ou amar pedindo licença... Sair de sombrinha, mesmo com sol, só por vontade de fazê-lo; jogar fora as revistas velhas, conceitos antigos, cartas amareladas que, às vezes, nem foram lidas, para repensar a vida; para comer com a mão, sentar no chão, esquecer a maquiagem, tomar banho de chuva inteiramente nua.

Afinal, no aniversário de 25 de dezembro ficamos de alma nova, outros projetos e férreas determinações. O aniversariante nos dá, a cada ano, um dia só nosso, com a liberdade de sermos autênticos, sem a máscara cotidiana que nos permite ser o personagem que imaginamos. Mostrar a cara, sorrir e sonhar como inocentes, porque Nasce a esperança de vida renovada, lá na manjedoura, num corpo de menino. 

 

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

CRÔNICAS & ARTIGOS

 

UMA PARKER 51  -    STATUS 11 - 2006                                                                                      

                                                                                                   Neumar Monteiro       

                                                                          

          Há dias escrevi a crônica “Uísque com Guaraná”, quando retirei do baú da memória saudosas imagens dos anos sessenta e setenta. Um fio puxa o outro, e lá vieram recordações ainda mais antigas que muito me emocionaram. Lembrei-me das elegantes canetas-tinteiro, dos clássicos lápis Johan Faber e dos inesquecíveis papéis mata-borrão, usados para absorver o excesso de tinta que ficava do uso das canetas-tinteiro.

            Nunca possuí uma caneta-tinteiro, pois crianças só escreviam com lápis sob  pena de ficar de castigo. Papai tinha uma, bem como o senhor da Tipografia e o dono do armazém em que fazíamos compras, que ficavam no bolso da camisa dando - lhes imponência e um certo  ar aristocrático. Homem elegante usava Parker 51, sonho de consumo de todo jovem alguns anos depois.

            É bom resgatar essas páginas perdidas. Sentir, ainda hoje, o cheiro de caderno novo encapado com papel-manteiga, mais tarde substituído pelo papel jornal. E as caixas de lápis, para desenho, de 24 cores? Uma cobiça nunca realizada! Caros demais para as mãos da criança pobre. Até hoje fico fascinada quando vejo alguma. Culpa da infância descolorida e desbotada.

            Dos primeiros anos do colégio Rio Branco então chamado Ginásio Rio Branco, lembro-me dos famosos “combates” realizados aos sábados pela manhã, que consistiam na divisão da turma em dois partidos, debatendo, um contra o outro, sobre determinada matéria ensinada durante a semana. À turma vencedora cabia um Mapa-Múndi ou caixas de lápis de seis cores. De cada sabatina saíamos mais afiados, aptos a repetir, no decorrer da vida, as lições aprendidas tantos anos antes.

            Até as carteiras eram especiais, por possuírem um orifício para acomodar o tinteiro, usado, por nós, como depósito de borrachas ou giletes. Recordo-me, também, dos nomes escritos nas carteiras, às vezes de conteúdos menos elegantes que coravam as meninas e provocavam a ironia dos meninos. Certo é que algumas estampavam inocentes declarações de amor dos enamorados da sala. Era terrível e gostoso desnudar, aos olhos da turma, sentimentos guardados a sete chaves. A vergonha era tanta que doía com dor de queimar por dentro. Assim é como posso descrevê-la.

            Tudo é passado, mas não perdido. Até hoje busco os ensinamentos daqueles tempos para aplicação no dia-a-dia. Da Literatura dos bancos escolares sorvi o gosto e conheci autores famosos. Do Latim do Dr. Ilis Carlos Machado ao Português do Dr. José Ronaldo do Canto Cyrillo, um universo de conteúdos sempre atuais, conquanto ministrados décadas atrás.

            De tudo que vi aprendi um pouco, o que me faz cidadã capaz de contornar muitos conflitos, respeitar diferenças e sobreviver com dignidade num mundo de tantas inconveniências. No mais, passo um mata-borrão na saudade enquanto escrevo com a minha Bic azul estas mal traçadas linhas que, certamente, seriam bem melhores se redigidas com uma autêntica e poderosa Parker 51.

sábado, 24 de outubro de 2020

CRÔNICAS & ARTIGOS

 

ANTENA COM BOM BRIL  -  NF 11 - 2006                                                                

                                                                                                Neumar Monteiro

                                                                           

Tempos atrás, as crianças brincavam de pique-bandeira, chicotinho queimado e roda, enquanto nas calçadas as mães e as vizinhas, sentadas em cadeiras ou bancos, proseavam amenidades. O perfume denso do jasmim e o das rosas pairava sob o céu estrelado. Às vezes, as mulheres levavam bolos e biscoitos, assados em casa, transformando a noite em um divertido piquenique. Época inesquecível.

Com a chegada da televisão, já não havia tempo para o conversar amigo e nem para sentir o aroma do jasmim. Na sala amontoavam-se crianças e adultos frente ao aparelho de TV, então só adquirido pelos mais ricos conforme se falava naqueles dias. Aos pobres cabia chegar de mansinho disputando, com dificuldade, um lugar no cômodo apinhado.

 Na Rua dos Mineiros, atual Gonçalves da Silva, conhecemos a fabulosa telinha na casa do Sr. Filomeno Gomes Pimentel (seu Loló) e Sra. Augusta Dutra Pimentel (dona Nenê), então vizinhos do lado. Que lindeza aquele desfilar de astros que só conhecíamos do rádio! Cauby Peixoto, Marlene, Emilinha Borba e outros. Ali, perto de nós e em preto e branco, os famosos cantores da época.

E as novelas acontecendo dentro da nossa casa? No ar a antiga Tupi, pioneira em emissora de televisão do Brasil, graças à iniciativa do jornalista paraibano Francisco de Assis Chateaubriand. A primeira novela e o primeiro telejornal; a presença de artistas como Tarcísio Meira, Carlos Alberto, Ioná Magalhães, Paulo Gracindo, Paulo Autran e demais elenco de estrelas. Também, programas campeões de audiência: Alô Doçura, Sítio do Pica-pau Amarelo, O Céu é o Limite, Clube dos Artistas e o Repórter Esso - por 18 anos transmitindo notícias. Na Tupi aconteceu o primeiro beijo na boca, na novela “Tua Vida Me Pertence”, na qual Vida Alves deixou-se beijar pelo galã Walter Foster. Também na emissora assistimos, extasiados, a fascinante chegada do homem na lua.

O problema maior da televisão eram os chuviscos e o som de duvidosa qualidade. E haja buchinha de BOM BRIL para colocar na antena. Puxa pra lá e puxa pra cá, sobe no telhado para mexer na antena espinha de peixe: Está bom? E assim? Estão vendo bem? Pegou? O que respondíamos em coro: Um pouquinho pra esquerda... Para a direita... Vira um bocadinho. Quando chovia a televisão não pegava nem com reza forte. Era mesmo assim.

 A evolução dos costumes e da tecnologia foi essencial para o progresso da humanidade. O advento da televisão deu um salto grandioso rumo ao futuro refletido agora, dentre outros, nos avançados computadores que transformaram o mundo numa aldeia global. Um pulo de uma década a outra, e aconteceram coisas que só na imaginação poderíamos prever. A vida ficou mais fácil porque, graças à engenhosidade humana, sabemos dos fatos no momento em que acontecem. As crianças já não cantam as cantigas de roda e as histórias de assombrações, narradas pelos avós nas noites escuras, foram substituídas pelo Freddy Krugger, Frankestein e Poltergeist. Nada mais como antes, tudo igual ao de antes, só mudou a técnica de transmitir. Continuamos como seres humanos, capazes do enternecimento com o belo, de sonhar, sentir e amar. Violência sempre existiu. Pensando bem, nem tudo foi perdido.