quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

CRÔNICAS & ARTIGOS

 

ENTÃO  É  NATAL  - NF  12 - /2008

                                                                                                            Neumar Monteiro

                                                                              

                            Parece que foi ontem quando as luzes do Natal ofuscavam os olhos da criança! Magia, pura magia, que transformava o desbotado cotidiano num caleidoscópio de variadas cores.

                                   Quando jovens, sabíamos que Natal era sinônimo de dezembro e esperávamos, contando nos dedos, o mês tão aguardado. Hoje o Natal começa em novembro e vai até o Dia de Reis, em janeiro, com o comércio apregoando as suas mercadorias. Perdeu a graça e a espiritualidade com que a data era comemorada; banal, em meio a tantas outras banalidades que festejamos anualmente.

                                   Não era assim em outros tempos: O fervor religioso preenchia o coração de uma fé viva que pinicava no peito como rebento de felicidade. Um abraçar todo mundo, um corrupio de emoção que transbordava dos olhos. Era o Deus vivo dentro de nós enquanto olhávamos a manjedoura com um júbilo indescritível de saciedade espiritual. Com a fé em baixa, perdemos a plenitude das palavras amenas e dos sorrisos francos que foram trocados por coisas tão supérfluas que no dia seguinte já as esquecemos. A grandiosidade da Gruta de Belém não tem mais graça!

                                   Num outro tempo haveria mais felicidade. Das coisas simples, como papel crepom, faríamos estrelas; do algodão, flocos de neve para cobrir os galhos do pinheiro; do quintal de casa o musgo seco, folhas e sementes, para o acabamento daquela linda e significativa Árvore de Natal. Talvez não tivéssemos reis magos, nem Maria, José e nem pastores, mas o coração transbordava de amor ao depositar o Jesus Cristinho no presépio feito de gravetos secos.

                                               Árvores de Natal simbolizam a esperança de verde, fartura e renascimento da terra para alcançar o céu, conforme os seus galhos se expandem para o alto. Observem como as árvores se enfeitam de flores para o Natal: os flamboyants desabrocham como paleta de tintas; a cássia-imperial orna-se de cachos de ouro; os manacás se vertem de branco e violeta perfumando os jardins, e os jasmins e lírios, alvos como vestimentas de anjos, tocam trombetas para o menino Jesus. Estas são as árvores de Natal mais expressivas e belas que a natureza divina pode nos proporcionar.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

CRÔNICAS & ARTIGOS

 

AI QUE SAUDADE DA AMÉLIA  - NF  11 - 2008                                           

                                                                    Neumar Monteiro

                                                                         
 

                               Saudade de tantas Amélias que se foram desta vida, que cuidavam do lar e educavam seus filhos sem retribuição ou reconhecimento. Amélia que era mulher de verdade na singeleza de seu cotidiano do fogão a lenha ao ferro a brasa. Vestida de algodão e calçando chinelas, que mulher era aquela que tinha tanta força muito embora o silêncio das suas palavras?

                                   Outro tempo, quando os caminhos eram sombreados por árvores frondosas que emendavam sua folhagem como uma colcha de retalhos verdes. Hoje quase não temos verde, nem o vermelho-amarelo das frutas de estações. Ainda bem que restaram as mangas, apesar de todo um alfabeto de destruição que vai dos araçás à zamboa, fruta cítrica semelhante à cidra. Citando uma frase antiga diríamos que tudo foi pra “A Tonga de Mironga do Kabuletê”, como registrou o compositor Toquinho que ouviu a expressão na casa de Vinicius de Moraes em Salvador, na Bahia, equivalente a um xingamento nagô de uma tribo oriunda da África. Virou febre e enlouqueceu platéias.

                                   “Ai que Saudade da Amélia”, dos compositores Mario Lago e Athaulfo Alves, de 1941, continua um sucesso mesmo transcorrido tantos anos. Além da nostalgia que nos traz o samba, lembra-nos que a sabedoria de toda uma geração de Amélias forjou a mulher moderna, sem preconceitos, que firmou sua igualdade perante o mundo. Hoje dirige carros importados e segue com sucesso o rumo que lhe aponta o nariz.

                                   O mundo mudou, e o termo “Repimboca da Parafuseta” sumiu do linguajar dos mecânicos. Tal termo era aplicado quando não se conseguia identificar o defeito de um carro. Era chique e não significava coisa nenhuma, só uma maneira de enrolar o dono do veículo. Apenas o registro de uma curiosidade daqueles tempos.

                                   Tantas coisas interessantes e preciosas de um passado recente já que se pode ser lembrado. Somente o que se esquece vira passado; o que se lembra vira lembranças.

                                    Da tonga de mironga até a repimboca da parafuseta o mundo deu muitas voltas:  o Brasil elegeu o Lula, Estados Unidos o Barack Obama, Bom Jesus não resolveu a eleição e o pãozinho de sal não cabe no bolso dos pobres. Tudo na mais perfeita ordem, tudo na mais santa paz, como canção de Toquinho e Vinicius.

sábado, 26 de dezembro de 2020

CRÔNICAS & ARTIGOS

 

MODA DA MULA PRETA  -  NF  10 - 2008                                                                                                    Neumar Monteiro

                                                                            

                  Pelo que tudo indica, Bom Jesus embarcou de vez na moda da Mula Preta de Tonico e Tinoco. Nunca se viram tantos retrocessos como os que vêm acontecendo nos últimos anos, notadamente neste agourento 2008: entre e sai de políticos no comando municipal, eleições sub judice, colégios fechando, Casa das Meninas desativada, Casa de Saúde lacrando suas portas; falta de perspectiva na economia, assustador índice de desemprego, Operação Epidemia… Enfim, coisas outras que preocupam a população. Devemos botar a barba de molho e olhar além de nossas janelas o bonde da história, antes que carregue com ele as últimas de nossas esperanças.

                        Pelo que soubemos da tradição oral e da literatura, aconteceu, em Calheiros, a praga do Padre Preto; e na cidade de Bom Jesus, possivelmente, a praga da Mula Preta. Inexiste outra explicação para tanto descaso, deboche e inoperância, num tropel tão rápido digno de uma mula preta de sete palmos de altura.

                        Traçando um parâmetro, parece-nos que os sete palmos significam os sete pecados capitais: gula, avareza, inveja, ira, soberba, luxúria e preguiça, pois que sete são as coisas que a alma do Senhor abomina, que ferem a Deus, a você e ao próximo, segundo o papa Gregório Magno no século VI e, mais tarde, Tomás de Aquino. Bom Jesus precisa urgentemente de oração, para afastar os miasmas pervertidos do mal antes que se tornem letais para o desenvolvimento de nossa terra.

                                         Tudo o que acontece atinge-nos diretamente. As crianças são as mais prejudicadas, pois que crescem presenciando péssimos exemplos. A tendência é repeti-los mais tarde. A história de Bom Jesus sempre foi permeada com vultos importantes, homens dignos do renome que até hoje carregam. Podemos citar com orgulho: Roberto Silveira, Coronel Portugal, Jorge Assis de Oliveira, Luizinho Teixeira, Olívio Bastos, Oliveiro Teixeira, Tito Nunes, Jorge Azevedo, Gauthier Figueiredo, Sebastião Alfeu, Anselmo, Agostinho Boechat, Joaquim Moreira Megre, dentre tantos que lideraram, com trabalho e dignidade, o crescimento de Bom Jesus. Garra, cidadania e amor a terra.

                                   A Mula Preta morreu da mordida de uma cobra venenosa, conforme moda de viola de Tonico e Tinoco. Que Bom Jesus se salve da insensatez que paira sobre todos, e quanto mais rápido melhor.