quinta-feira, 23 de setembro de 2021

CRÒNICAS & ARTIGOS

 

O  FLUXO  E  REFLUXO   DA  VIDA

                                                                                      Neumar Monteiro

                                                                                                   

            Nesta vida já passei por muitas coisas. Umas, por ruins, apaguei-as totalmente da memória, e até hoje busco encontra-las no emaranhado de minhas recordações, inutilmente. Fico pensando na capacidade que tem a mente humana de excluir aquilo que feriu ou magoou a sensibilidade, como num passe de mágica.

            As passagens boas relembro-as com presteza de minúcias. Consigo até mesmo desfilar aromas pela janela da lembrança. Tudo perfeito: fatos, pessoas cor e perfumes – como se o mundo inteiro confabulasse para permitir-me recordar prazeres e esquecer tristezas. Só que assim não acontece, e o fluxo da vida nos trazem diversidades de sensações, num constante vaivém, quais ondas de uma praia. Só que a praia mora dentro da gente, e impregna toda uma vida, com suas marés de cheias e vazantes. Talvez seja por isso que às vezes acordamos com gosto de guarda-chuva na boca, e porque essa sensação persiste dia afora, deve ser quando a maré interior não está prá peixe.

            O importante é que saibamos conviver com nossos azedumes tanto como com as nossas alegrias, sem permitir que o pique de nossos problemas interfiram no cotidiano da vida. Viver, com certeza, não é tarefa muito fácil, se temos que conviver com um mundo sempre mais tumultuado e violento, superando, a cada momento, a marca das próprias mazelas. Mas não deixa de ser uma tarefa agradável, desde que aceitemos os desafios com otimismo e coragem. Não foi essa a proposta interior que praticamos com as nossas lembranças ? O ruim fica num canto, parado, esquecido; o bom, sempre em evidência e prestígio... regalo da memória !

            Foi neste vai que vem, nas lutas interiores travadas comigo mesma, que relembrei muitas passagens belas, causos memoráveis e passeios prazerosos, na medida exata das tristezas curtidas no canto da cozinha na antiga casa na antiga Rua dos Mineiros. Aprendi muito, sobretudo a encarar de frente as dificuldades, sem titubeios, com coragem e determinação. Sei que outros refluxos virão, como sei também que sempre haverá marés cheias de alegrias aguardando cada novo dia – tal como a natureza que, sábia, prefere acordar sempre numa clara manhã de luz.

 

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

 

                               O  CAPITÃO  DA  IMPRENSA 

                                                                                                                                                                                                                                        Neumar Monteiro                                                                                                  

 

Cresci, casei-me e tive filhos ouvindo falar em Osório Carneiro. Lá em casa a figura desse mestre da imprensa pairava alto, quase cultuada pelo meu pai tal era amizade que os unia. Papai aprendeu tudo com ele, principalmente o nortear-se por um jornalismo dinâmico, combativo e idealista, conforme os da velha estirpe de profissionais forjados na ética jornalística e no ideal de servir à coletividade.

Não é à-toa que podemos que considerar Osório Carneiro como o benemérito por excelência de Bom Jesus do Itabapoana. Aqui foi o campo fértil de seus sonhos, quando pôs em prática muito de suas fraternas aptidões, conforme o demonstrou no setor da assistência social idealizando e fundando o Centro Popular Pró-Melhoramentos de Bom Jesus, ao lado de outras iniciativas igualmente louváveis. Foi também o Capitão da Imprensa que fundou e conduziu o A Voz do Povo, numa época que levar avante um jornal do interior era tarefa das mais árduas.

Falar sobre Osório se me parece fácil, já que ele sempre esteve presente na nossa vida doméstica desde os idos de 1950. O poeta Athos Fernandes, à época dos fatos, retirava o pão de cada dia de o jornal A Voz do Povo.  Todas as tardes, quando ainda bem menina, lembro-me que mamãe ia até a redação para esperar a saída do papai, e os funcionário José Maria Garcia, Christovan, José Russo, Mauro, Brotinho, Filinho, Indio e o Cardoso, faziam fila par mexer com as minhas tranças ou para presentear-me com uma bala de jujuba. Era uma festa ! E lá se encontrava o Osório Carneiro, sério, alto e bonito, sempre com uma palavra amável a nos saudar. Isso tudo é inesquecível, mesmo após tantos anos.

Agora no mês de agosto, se comemora o centenário de nascimento do Capitão. Parece que foi ontem que eu o via  ali, empertigado, na porta de entrada da antiga sede do jornal. A tarde era como todas as tardes da infância, mas a presença dele, vivo, era especial, como também especial a saudade da  Dona Fernanda e  a lembrança da Cibele, Fernando, Duquinha e Maria Helena, seus queridos filhos. O tempo se incumbiu de separar-nos, mas na imagem das recordações continuam a casa da Rua Itagiba e a redação de o A Voz do Povo. Osório Carneiro e as tardes de minha meninice e juventude... Obrigada, Osório, pela comida que ajudou a colocar na nossa mesa e pelas tardes mais lindas que  jamais eu vi.

terça-feira, 7 de setembro de 2021

CRÔNICAS & ARTIGOS

 

 QUANDO JOVENS, SONHAMOS ESTRELAS

                                                                         Neumar Monteiro

                                                                                    

 

                   O tempo passa depressa nesta terra pendurada no universo e a juventude se ressente desta velocidade feérica que nos persegue; e os jovens sentem que a felicidade está por um fio, como o apagar da lâmpada ao dormir. Querem perseguir as novidades e inventar novos jogos que nem por interesse, todavia pela vontade de jogar, mostrar-se adulto e arvorar o pavão que está dentro de si... Enfim, exibir-se para os colegas e as meninas, como um meteoro que passa no céu rasgando a escuridão da noite deixando o rastro luminoso de sua cauda. Ai, que saudade da mocidade!  Ai, que saudade do pique-bandeira e do passar anel; de correr na noite e de namorar a dindinha lua da rede do quintal sonhando estrelas. Hoje o céu nebuloso, sombrio e triste, apaga a beleza da lua e esconde as estrelas. Como vamos guardar na mente o brilho dos astros que permeiam o estro dos poetas? Como vamos sonhar estrelas se  estão perdidas na voragem dos ares contaminados? Coitada juventude!...

                    Volúpia dos desejos como estamos jovens, sonhando estrelas, forasteiras, além do universo. Outros mundos nós queremos cativar; outros engenhos  queremos lançar no espaço para descobrir o que somos e para sorrir outros tantos passageiros da vida. O ônibus  espacial já chega no futuro para concorrer com as estrelas cadentes a velocidade do seu rumo. Enfim, o homem quer dominar tudo, desde o centro da terra até às alturas indomináveis.

Tudo pela ganância e esperança de descobrir outras plagas para fazer novos ninhos; pela cobiça de nova vida e pelo bolso cheio de pedras preciosas que o imensurável universo proveem. Esta é a obsessão dos terráqueos.