domingo, 28 de fevereiro de 2021

CRÔNICAS & ARTIGOS

 

FARINHA POUCA MEU PIRÃO PRIMEIRO   -  NF-     04 2011                                                                                                                                

                                                                                                                                                    Neumar Monteiro

                                                                            

                         Antigamente, por certo, havia mais dignidade no viver: as pessoas se interessavam pelas outras e até ajudavam com o pouco que tinham, fosse comida ou dinheiro. Tudo era diferente de agora, que posicionou o homem como um vilão de si mesmo no egoísmo no qual se trancou. Na atualidade o lobo do homem é o próprio homem, conforme já o disse Thomas Hobbes, filósofo inglês, no Leviatã, querendo afirmar que o homem é individualista e só visa seus interesses tendo que ser comandado por alguém, pelo contrário a sociedade viraria um caos.   

                                           Meu pirão primeiro: igual à mesquinhez e a      arrogância que avassalam o mundo inteiro, sabendo-se que na verdade as duas são farinha do mesmo saco. É triste ver a ruína da solicitude destes tempos perigosos, quando se segue o ditado do primeiro eu e depois o resto. Na verdade, tudo cai na falta de amor ao próximo e que se lixem os demais! Falha egoísta do caráter, civilização incivilizada, onde impera a “lei do mais forte” prevalecendo sobre o mais fraco. O pior inimigo do homem é ele mesmo! Conforme aconteceu no Realengo, Rio de Janeiro, quando a violência em forma humana invadiu uma escola e matou doze estudantes deixando também, no rastro do massacre, vários feridos. No gênero, a maior tragédia em número de vítimas na América Latina e inusitada, particularmente, no Brasil. 

                                           Ao relembrar de outros episódios que já presenciamos talvez possamos medir a falta de espaço e de solidariedade a que somos expostos: os carros atropelando pedestres, por simples prazer do motorista de se mostrar mais forte ou exibir o carro possante; mulheres não são respeitadas em algumas repartições públicas, mesmo com criança no colo, embora a prioridade na fila seja obrigatória por lei; outros estabelecimentos não respeitam os deficientes, taxando-os de importunos e aleijados; o mendigo é olhado de soslaio aonde    chega, medo que seja um ladrão ou pedinte impertinente; um estranho é sempre considerado marginal, até que se prove o contrário... É o temor da vida que se apregoa nas praças, nas ruas e nas escolas. Medo de ser roubado, medo do medo e dos fatos rotineiros...  Pois o ditado que se soletra está na pontinha da língua: Farinha Pouca Meu Pirão Primeiro!                            

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

CRÔNICAS & ARTIGOS

 

BRINCADEIRA DE RODA- NF    03 - 2011                                                                     

                                                                                        Neumar Monteiro

                                                                      

                                       Hoje quase não vemos crianças brincando de roda. Nestes dias do futuro, dificilmente assistimos os volteios de mãos dadas, as algazarras dos risos e a correria do pique bandeira... Pouco ficou para repassar às gerações futuras de meninos e meninas, só reles apegos ao dinheiro e ao sexo. O que será dessa abrupta mudança futuramente? Pular as fases do amadurecimento humano por certo ocasionará irremediáveis danos ao equilíbrio mental, sem falar nos medos e inseguranças que palmilharão estes caminhos. O ser humano precisa do outro para viver feliz, não daquele distanciamento que alguns perseguem, talvez por egoísmo próprio ou pela petulância de se achar melhor que os demais.

                                           Brinquedos de roda, eterna lembrança, o pulo da corda dos anos criança. Subindo nos galhos, colhendo as pitangas, caquis, cambucás, laranjas e mangas... Doces dias de sol a serem aproveitados nas estradas! Na boca, o trava língua decorado: o doce perguntou pro doce qual é o doce mais doce o doce respondeu pro doce que o doce mais doce é o doce de batata doce. O embornal de pano, a cabeça raspada com navalha por causa dos piolhos, a juventude que armava ciladas por pura implicância, os passeios pelos campos, o jogo de bola, a boneca que falava “mamãe” e as anáguas engomadas com uma mistura de água e maisena – iguais as das artistas de rádio e cinema!...

                                           Um luxo só! As crianças girando quais girassóis humanos, às vezes desumanos, nas canções de roda: ‘atirei o pau no gato, mas o gato não morreu’; ‘a barata diz que mora numa casa de vidraça, é mentira da barata ela mora na fumaça’ e outras como: ‘Terezinha de Jesus de uma queda foi ao chão’; ‘o cravo brigou com a rosa debaixo de uma sacada, o cravo saiu ferido e a rosa despedaçada’; ‘boi da cara preta pega esta criança que tem medo de careta’. De uma maneira ou de outra as músicas excitavam, já naquela época, o bullying, que nada mais é do que a violência contra o mais fraco ou de classe social abaixo do nível permitido no contexto; também violentavam aqueles que apresentassem gagueira, dificuldade na aprendizagem, material escolar inferior, dente cariado, não levasse lanche para a merenda ou os de religiões adversas... Mal da vida, mal do homem!

                                           Atualmente, as antigas canções de roda são condenadas pelos pedagogos, psiquiatras, psicólogos e educadores em geral por incentivarem a violência, o suicídio, a inveja e, também,    discriminações sociais e religiosas. Com certeza no passado foram causas de muitas dores e lágrimas que, infelizmente, até hoje persistem.            

     

sábado, 20 de fevereiro de 2021

CRÔNICAS & ARTIGOS

 

SAMBA LELÊ TÁ DOENTE -  NF   02 - 2011

                                               Neumar Monteiro

                                                                            

O Brasil está doente e triste. Não mais aqueles tempos idos, quando a alegria era a norma geral do brasileiro que inaugurava o dia a dia com um sorriso estampado na cara. Agora o riso ficou esquivo e perdeu a espontaneidade; já não se entrega às piadas como antes e, o sorrir, tornou-se um esgar de desencanto. Samba Lelê está com a cabeça quebrada de tantas lutas... O aluguel atrasado, a comida sem quitutes, os anseios sem virtudes e o ânimo desgastado. Samba Lelê está falido dos sonhos que ousou sonhar! Sonha, sonha, sonha, ó Lelê! Não deixe a vida passar.

Mostre a morena bonita como é que se namora:  não lembre a lida da vida dá um beijo e vai embora. Esqueça o salário de fome e esqueça a fome que chora; aposte nas voltas do tempo dá adeus e caia fora. Procure novos talentos para a mente festejar fazendo a vida mais bela, fazendo o vento cantar. Samba Lelê está doente, cansado de pelejar. O casebre à luz de vela e vela para velar a morte de tantos sonhos acalentados ao luar. Samba Lelê é o povo cansado de sonhos sonhar. A revolta lhe invade o peito como ressaca no mar, vem e volta, bate as ondas na maré da preamar.

As casas cravadas nos morros cercadas de outras tantas, até que o vento peleja e a fúria da chuva as arranca.  Os sonhos todos perdidos rolando ladeira abaixo, retratos, móveis e vidas escorregando no barro. Que vida é esta minha gente que persiste nas cidades? Não são quaisquer Sambas Lelês que suportam as adversidades!... Mas continuam ficando nas casinhas dependuradas, tecendo o destino ingrato até outras chuvaradas.     

Samba Lelê faz promessa às forças de Iemanjá. Pede emprego, pede comida, para os filhos sustentar... Samba Lelê precisava é de uma boa lambada. Lambadas que o mundo já dá; olhe morena bonita como é que se namora: põe-se o lencinho no bolso, com as pontinhas de fora. A boca do Samba Lelê quer a modinha cantar, esta modinha de roda que crianças brincam a girar, mas não consegue a alegria no ímpeto de acompanhar. Samba Lelê é o povo triste e desamparado. Samba Lelê é ninguém, apenas um desesperado. Samba, samba, samba, ó Lelê! Na barra da saia ó Lelê! Samba, samba ó Lelê... Não deixe a vida morrer.