sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O NORTE FLUMINENSE - 02 / 2007

 LENCINHO BRANCO 
                                                                                           Neumar Monteiro 

O adeus na partida e um coração despedaçado. Um lenço branco da paz que acena em meio à disputa. Um parente que segue para a eternidade e um lenço que recolhe o derradeiro gesto da saudade...
Um lenço não teria tanta importância não fosse o significado forte que transmite. Apenas um pedaço de pano, de uma cor qualquer, que cabe no bolso do rico e no do pobre também - pois não escolhe o dono e circula em todas as camadas sociais. De tanto simbolismo e de tanta dor, que até enxugou o sangue de Cristo no caminho do Calvário. Verônica exibiu o rosto Dele impresso num pequeno quadrado de tecido e depois cantou, chorando, o seu lamento.
Foi também na música “Lencinho Branco”, que alcançou tanto sucesso na voz de Dalva de Oliveira nos idos de 1952, que a importância da utilitária peça foi demonstrada. Aos píncaros da glória elevou-a, enquanto o seu coração amargava a separação de Herivelto Martins. Talvez outro lencinho enxugasse o seu pranto nas noites frias da solidão.
Seu poder é tão grande que era usado nas batalhas da Idade Média e em outras posteriores, para assinalar o início ou a trégua no combate. Nas histórias que se perderam no tempo, ajudou no exercício da sedução a exemplo de Salomé e de Messalina. Também é ele que esconde, pudica ou sedutoramente, o rosto das odaliscas na dança do ventre; nas burcas das mulheres do Talibã; nas promessas veladas, quando se joga um no chão para provocar a aproximação de um pretendente; ou como arma de conquista, conforme fazia Arsène Lupin quando cobria a poça de água com um deles ou com a própria casaca para que a amada não molhasse os pés: um ladrão e arrombador elegante, mundano e cavalheiresco, foi capaz de um gesto tão cativante que o celebrizou.
Na atualidade quase ninguém o carrega, quer de seda, quer de algodão, visto que conota algo de mau gosto, antiestético e transmissor de vírus, notadamente com os atuais de papel. Um conjunto musical de agora joga calcinhas para a plateia, e as mulheres choram de satisfação enxugando, nelas, as suas lágrimas. Mudou somente o objeto. Antigamente, Cauby Peixoto usava um nas apresentações que empreendia por todo o Brasil, talvez como fetiche, quem sabe como amuleto; Aguinaldo Timóteo exibia-o na mão direita enquanto cantava. A magistral Simone ainda o utiliza atado no pedestal do microfone; o inesquecível Cazuza, nos derradeiros dias, amarrava-o na cabeça. Luiz Ayrão gravou “Saudade que Ficou” (O Lencinho) com grande sucesso. Na década de sessenta todos os rapazes o traziam no bolso, imitando os próprios pais e assinalando masculinidade.   
Vincent Van Gogh, o grande pintor impressionista, num dramático episódio decepou a própria orelha vedando o local com um rústico farrapo. Após, pintou um autorretrato exibindo-se já sem orelha. Um mestre da pintura que se tornou imortal ao cobrir, com um lenço, a ferida do seu tresloucado gesto. É o tributo da história a um ultrapassado quadrado de pano. 

  






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