O QUE ESTRESSA É A PRESSA
Neumar Monteiro
Antigamente não
havia pressa, as comadres conversando frente a casa provando a última receita
de biscoitos ou assistindo a novela do “Jerônimo o herói do sertão”. Depois a
paz começou sendo ultrajada pela pressa cotidiana de nosso futuro, um tempo que
toma conta de nosso tempo no vórtice impensável das malícias, das cobiças e das
corridas, pra lá, pra cá... E, na noite,
não se sonha nada porque já não há tempo para sonhar. A correria entrou na
nossa vida esfumaçando até os sonhos já sonhados, as relíquias de toda uma
vida, os ensejos, os desejos e a esperança de um destino melhor.
Nós somos o sonho
já sonhado e não acontecido; o futuro de esperanças infindas não praticadas; o
correio que errou a porta deste planeta e foi entregar carta em Marte, levando
esperanças e sonhos para outros mundos; somos a vida mal resolvida e um andar
de tamanco com a sola de madeira desgastada. Enfim, esgotamos na pressa que
estressa toda a nossa energia armazenada no corpo e achamos a vida chata, sem
graça e sem vontade de virar a página da estória. Simplesmente vamos apagando a
luz que vem de dentro, que vem de Deus, amortalhada por tantos quereres não
resolvidos, saberes sem continuidade e dinheiro sem ocupar a própria bolsa. Aí
vem o choro, calma!... O que estressa é a pressa! Temos que praticar a ciência
da generosidade de nós mesmos. Não podemos resolver tudo ao nosso prazer de uma
hora para outra; a vida corre depressa, mas nem e não tanto como pensamos. Tudo
tem um tempo certo incrustado no destino de cada um, então, a pressa, só
estressa.
As lembranças do
passado correm coxias nos nossos sonhos, tempos de serenidade e generosidade de
forma coletiva para com os amigos, parentes, vizinhos e professores... Não a
voracidade de espancar, de ultrajar e vilipendiar como assistimos neste tempo
caótico que só cresceu a população e, não, a civilidade. Na saúde pública a má
esterilização de materiais cirúrgicos e contaminação da água provocam cegueiras
e mortes, às vezes encobertas pelos próprios médicos. No Instituto da Visão em
Caruaru, Pernambuco, a estrutura física inadequada provocou a cegueira de
quatro mulheres que se submeteram à cirurgia de cataratas porque desenvolveram,
após a cirurgia, inflamação no globo ocular. Mal dos tempos, mal dos homens!
Hoje em dia, como
dizia a vovó, a chacina corre solta, conforme o massacre de Eldorado dos
Carajás há 16 anos, ocasião em que a Polícia Militar do Pará matou 21
trabalhadores rurais e feriu outros 60 em um conflito de terra na pressa de
matar e no estresse da peleja. Vidas já sem vidas na pobreza, mortas, sem
razão, pela violência de homens fardados. Isto dói e envergonha o povo
brasileiro.
Nas grandes cidades o
tempo acabou com a amabilidade: gente correndo atropelando gente e ritos de
morte nas ruas apressadas. Estresse a cem por hora e pressa nas pernas
doloridas, como é a vida do presente. Todos com medo receando um tiroteio que o
próprio cérebro imagina e que o corpo abala, causando o pânico e matando a
alma. Dias de angústias e o que mais ainda temem? Não há porta que se abre para
receber o parente, o indigente, o inteligente ou até mesmo a própria família...
O medo tornou-se um adendo do dia a dia: não há sanidade que aguente, não há
povo que não se espante, não há trégua que se entregue, não há régua que se
mede, não há tranca que se destranca, não há gente sem desatento, vigiando a
porta vigiando a noite vigiando o dia e vigiando o toque que acompanha a morte.
Ninguém vive mais a tranquilidade dos dias do passado... Esta é a verdade que
vivemos hoje: furando filas, pulando as horas, esperando o ônibus e sonhando com
um futuro que não chega; o futuro já chegou! Fora da hora e sem pedir licença,
como um tempo destruído pela ambição de agora.
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