sábado, 16 de junho de 2012

O NORTE FLUMINENSE - 06-2012


                O QUE ESTRESSA É A PRESSA
                                                                                             Neumar Monteiro
                                                                                                              

                            Antigamente não havia pressa, as comadres conversando frente a casa provando a última receita de biscoitos ou assistindo a novela do “Jerônimo o herói do sertão”. Depois a paz começou sendo ultrajada pela pressa cotidiana de nosso futuro, um tempo que toma conta de nosso tempo no vórtice impensável das malícias, das cobiças e das corridas, pra lá, pra cá...  E, na noite, não se sonha nada porque já não há tempo para sonhar. A correria entrou na nossa vida esfumaçando até os sonhos já sonhados, as relíquias de toda uma vida, os ensejos, os desejos e a esperança de um destino melhor.
                             Nós somos o sonho já sonhado e não acontecido; o futuro de esperanças infindas não praticadas; o correio que errou a porta deste planeta e foi entregar carta em Marte, levando esperanças e sonhos para outros mundos; somos a vida mal resolvida e um andar de tamanco com a sola de madeira desgastada. Enfim, esgotamos na pressa que estressa toda a nossa energia armazenada no corpo e achamos a vida chata, sem graça e sem vontade de virar a página da estória. Simplesmente vamos apagando a luz que vem de dentro, que vem de Deus, amortalhada por tantos quereres não resolvidos, saberes sem continuidade e dinheiro sem ocupar a própria bolsa. Aí vem o choro, calma!... O que estressa é a pressa! Temos que praticar a ciência da generosidade de nós mesmos. Não podemos resolver tudo ao nosso prazer de uma hora para outra; a vida corre depressa, mas nem e não tanto como pensamos. Tudo tem um tempo certo incrustado no destino de cada um, então, a pressa, só estressa.
                           As lembranças do passado correm coxias nos nossos sonhos, tempos de serenidade e generosidade de forma coletiva para com os amigos, parentes, vizinhos e professores... Não a voracidade de espancar, de ultrajar e vilipendiar como assistimos neste tempo caótico que só cresceu a população e, não, a civilidade. Na saúde pública a má esterilização de materiais cirúrgicos e contaminação da água provocam cegueiras e mortes, às vezes encobertas pelos próprios médicos. No Instituto da Visão em Caruaru, Pernambuco, a estrutura física inadequada provocou a cegueira de quatro mulheres que se submeteram à cirurgia de cataratas porque desenvolveram, após a cirurgia, inflamação no globo ocular. Mal dos tempos, mal dos homens!
                         Hoje em dia, como dizia a vovó, a chacina corre solta, conforme o massacre de Eldorado dos Carajás há 16 anos, ocasião em que a Polícia Militar do Pará matou 21 trabalhadores rurais e feriu outros 60 em um conflito de terra na pressa de matar e no estresse da peleja. Vidas já sem vidas na pobreza, mortas, sem razão, pela violência de homens fardados. Isto dói e envergonha o povo brasileiro.
                         Nas grandes cidades o tempo acabou com a amabilidade: gente correndo atropelando gente e ritos de morte nas ruas apressadas. Estresse a cem por hora e pressa nas pernas doloridas, como é a vida do presente. Todos com medo receando um tiroteio que o próprio cérebro imagina e que o corpo abala, causando o pânico e matando a alma. Dias de angústias e o que mais ainda temem? Não há porta que se abre para receber o parente, o indigente, o inteligente ou até mesmo a própria família... O medo tornou-se um adendo do dia a dia: não há sanidade que aguente, não há povo que não se espante, não há trégua que se entregue, não há régua que se mede, não há tranca que se destranca, não há gente sem desatento, vigiando a porta vigiando a noite vigiando o dia e vigiando o toque que acompanha a morte. Ninguém vive mais a tranquilidade dos dias do passado... Esta é a verdade que vivemos hoje: furando filas, pulando as horas, esperando o ônibus e sonhando com um futuro que não chega; o futuro já chegou! Fora da hora e sem pedir licença, como um tempo destruído pela ambição de agora.     

Nenhum comentário:

Postar um comentário