UM CRUZEIRO E TRÊS
DEDOS DE PINGA
Neumar
Monteiro
Tanto tempo passou desde
o Cruzeiro, moeda nacional com equivalência a um mil réis instituída pelo
Decreto-Lei nº 4.791 de 05.10.1942. De lá para cá muita coisa mudou, mas as
necessidades continuam as mesmas. Ao observar uma pequena samambaia nascida em
meio a pedras a correlação foi imediata: como aquela, os brasileiros lutam no
dia-a-dia pela sobrevivência em meio às disputas, extorsões, escândalos
político-econômicos e sonegações de toda espécie. É o mesmo que tirar vida da
aridez da pedra dura.
Como
o dinheiro é inacessível ao bolso da maioria dos brasileiros!... Na ordem
inversamente proporcional daqueles investidos em cargos de projeção política. O
que houve com a consciência e o bom senso se o descaso com a coisa pública
tornou-se uma constante?
O
cruzeiro, como unidade monetária, puxa outros assuntos como o antigo bar do
Júlio Galdino, no centro da cidade, no térreo do prédio do dentista Altino
Mello. Ali as crianças compravam as balas chupetinhas, que traziam brindes de anéis
dourados com pedras coloridas no palito de sustentação, ao preço de dois
centavos. Famosos, também, os torresmos, pernil de porco assado e salame, que
acompanhavam as talagadas de pinga.
No
terreno baldio do outro lado da rua, bem em frente ao bar, acontecia a feira
livre semanal onde se podia encontrar de tudo desde especiarias a enxoval para
noivas vendidas pelo “seu” Valdevino (Bodevino conforme costumava ser chamado).
A feira era tudo de bom, vendendo até carne de porco dependurada em varais ou
estendida em tábuas sobre suportes de madeira. Os frangos eram depenados na
hora e embrulhados em papel jornal. O ar cheirava múltiplos odores de ervas,
doces e frutos conforme tocava o vento. As crianças se esbaldavam na correria,
surrupiando de vez em quando uma mexerica da cesta do feirante, enquanto se
divertiam com os homens em pernas de pau e os engolidores de fogo que se
apresentavam quinzenalmente. Logo adiante ficavam o prédio da Dona Lili da
datilografia, o da Maçonaria e o Açougue Braço Forte do Agostinho Moraes
Soares. Dois deles continuam no mesmo lugar, com pequenas reformas.
A história do bar do Júlio Galdino
mesclou-se à nossa na década de sessenta. Terminado o baile, os rapazes saíam
do Aero Clube e iam acabar a noite no Galdino tomando à famosa saideira; e ali
ficavam escutando o mavioso violão do Valzenir Fiori até o raiar do dia. Na
atualidade, o Cruzeiro virou Cruzeiro novo, Cruzado, Cruzado novo e Real, e o
dinheiro continua escasso. Pelo menos em outros tempos a vida era pura poesia,
muito embora os bolsos furados.
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