quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O NORTE FLUMINENSE - 08 / 2007



UM CRUZEIRO E TRÊS DEDOS DE PINGA                                                                                                                                  
                                                                                             Neumar Monteiro
                                  
                       
                      Tanto tempo passou desde o Cruzeiro, moeda nacional com equivalência a um mil réis instituída pelo Decreto-Lei nº 4.791 de 05.10.1942. De lá para cá muita coisa mudou, mas as necessidades continuam as mesmas. Ao observar uma pequena samambaia nascida em meio a pedras a correlação foi imediata: como aquela, os brasileiros lutam no dia-a-dia pela sobrevivência em meio às disputas, extorsões, escândalos político-econômicos e sonegações de toda espécie. É o mesmo que tirar vida da aridez da pedra dura.
                        Como o dinheiro é inacessível ao bolso da maioria dos brasileiros!... Na ordem inversamente proporcional daqueles investidos em cargos de projeção política. O que houve com a consciência e o bom senso se o descaso com a coisa pública tornou-se uma constante?
                        O cruzeiro, como unidade monetária, puxa outros assuntos como o antigo bar do Júlio Galdino, no centro da cidade, no térreo do prédio do dentista Altino Mello. Ali as crianças compravam as balas chupetinhas, que traziam brindes de anéis dourados com pedras coloridas no palito de sustentação, ao preço de dois centavos. Famosos, também, os torresmos, pernil de porco assado e salame, que acompanhavam as talagadas de pinga.
                        No terreno baldio do outro lado da rua, bem em frente ao bar, acontecia a feira livre semanal onde se podia encontrar de tudo desde especiarias a enxoval para noivas vendidas pelo “seu” Valdevino (Bodevino conforme costumava ser chamado). A feira era tudo de bom, vendendo até carne de porco dependurada em varais ou estendida em tábuas sobre suportes de madeira. Os frangos eram depenados na hora e embrulhados em papel jornal. O ar cheirava múltiplos odores de ervas, doces e frutos conforme tocava o vento. As crianças se esbaldavam na correria, surrupiando de vez em quando uma mexerica da cesta do feirante, enquanto se divertiam com os homens em pernas de pau e os engolidores de fogo que se apresentavam quinzenalmente. Logo adiante ficavam o prédio da Dona Lili da datilografia, o da Maçonaria e o Açougue Braço Forte do Agostinho Moraes Soares. Dois deles continuam no mesmo lugar, com pequenas reformas.
                        A história do bar do Júlio Galdino mesclou-se à nossa na década de sessenta. Terminado o baile, os rapazes saíam do Aero Clube e iam acabar a noite no Galdino tomando à famosa saideira; e ali ficavam escutando o mavioso violão do Valzenir Fiori até o raiar do dia. Na atualidade, o Cruzeiro virou Cruzeiro novo, Cruzado, Cruzado novo e Real, e o dinheiro continua escasso. Pelo menos em outros tempos a vida era pura poesia, muito embora os bolsos furados.

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