SORVETE DE BAUNILHA -
07/2008
NeumarMonteiro
O som da música “Tenderly”, orquestrada por Stan Kenton e cantada por
Tonny Benet ou Louis Armstrong, abria o programa matinal do Athos Fernandes na ZYP
31 Rádio Cultura de Bom Jesus. A todo
volume os rádios estão ligados. Ninguém pode perder os sonetos parnasianos do
poeta... Cenas guardadas no calendário da memória remetem-nos ao passado: a
lembrança do ar puro, do cheiro do café passado no coador de pano, de pão
artesanal e de comida caseira. Num retrospecto, flashes de pessoas caminhando
pelas ruas de terra batida ou de pedra, reunindo-se na praça da matriz para um
prosear amigo. Outra época, quando pais,
professores, tios, vizinhos e avós eram dignos de respeito e consideração.
Aos
poucos tudo foi mudando. Um vento traiçoeiro, num vórtice de malícia, levou
todos os conceitos de gerações anteriores; aprendizagens repassadas por décadas
a fio perderam o sentido de existir virando coisa ridícula. Quando foi que
perdemos o ingênuo de nós? Em que momento despimos a espontaneidade e vestimos
a capa da indiferença? As grades de nossas casas segregam o companheirismo, e
os vizinhos são os estranhos que moram ao lado. Não é de se estranhar que
existam tantas doenças e transtornos comportamentais de que hoje padecemos.
Que
houve com a gentileza de se convidar alguém para tomar um simples sorvete de
baunilha sem segundas intenções? Nem os sabores são os mesmos, sofisticaram a
receita da vovó! Agora é Kiwi, Açaí, Torta
Holandesa, Cornetto, Pistache, Fruttare... Até virou peça de antiquário a velha
geladeira General Eletric e o simpático pingüim de louça que a enfeitava,
considerado pelos jovens da época o cúmulo da cafonice.
Precisamos
recuperar o tempo perdido e a sabedoria dos antigos. Afinal, que conceitos
modernos são esses que não punem fraudadores, sonegadores e corruptos? Quando
crianças morrem de fome em becos e favelas? Que eleva o marginal de riqueza
espúria e tripudia o honesto? Inversão de valores, segregação de idéias,
subversão da verdade, esses são os predicados apreciados pelos ‘vencedores’ da
atualidade. Antigamente um diploma era
considerado bem de família; hoje, ultrapassado, quando se pode acumular dinheiro
viciando os jovens, matando e roubando.
Sendo
assim, que voltem os pingüins de geladeira, os doces de abóbora com coco, mamão
verde ralado com cravo-da-índia e suspiros caseiros, antes que as tradições se
percam e o convívio social desapareça. Sim, sejamos cafonas mas coerentes;
pobres e não indolentes ou ladrões; sinceros com as nossas verdades: de
preferência saboreando um sorvete de baunilha que a vovó fazia, que a criança
sorria, que a sabedoria existia e que a convivência era sadia... Tudo cafona,
até a rima.
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