sexta-feira, 21 de março de 2014

PUBLICAÇÃO DE 07-2008



             SORVETE DE BAUNILHA    07/2008
                                                                                           NeumarMonteiro     
                             
                                 O som da música “Tenderly”, orquestrada por Stan Kenton e cantada por Tonny Benet ou Louis Armstrong, abria o programa matinal do Athos Fernandes na ZYP 31 Rádio Cultura de Bom Jesus.  A todo volume os rádios estão ligados. Ninguém pode perder os sonetos parnasianos do poeta... Cenas guardadas no calendário da memória remetem-nos ao passado: a lembrança do ar puro, do cheiro do café passado no coador de pano, de pão artesanal e de comida caseira. Num retrospecto, flashes de pessoas caminhando pelas ruas de terra batida ou de pedra, reunindo-se na praça da matriz para um prosear amigo.  Outra época, quando pais, professores, tios, vizinhos e avós eram dignos de respeito e consideração.
                                               Aos poucos tudo foi mudando. Um vento traiçoeiro, num vórtice de malícia, levou todos os conceitos de gerações anteriores; aprendizagens repassadas por décadas a fio perderam o sentido de existir virando coisa ridícula. Quando foi que perdemos o ingênuo de nós? Em que momento despimos a espontaneidade e vestimos a capa da indiferença? As grades de nossas casas segregam o companheirismo, e os vizinhos são os estranhos que moram ao lado. Não é de se estranhar que existam tantas doenças e transtornos comportamentais de que hoje padecemos.
                                               Que houve com a gentileza de se convidar alguém para tomar um simples sorvete de baunilha sem segundas intenções? Nem os sabores são os mesmos, sofisticaram a receita da vovó! Agora é Kiwi,  Açaí, Torta Holandesa, Cornetto, Pistache, Fruttare... Até virou peça de antiquário a velha geladeira General Eletric e o simpático pingüim de louça que a enfeitava, considerado pelos jovens da época o cúmulo da cafonice.
                                               Precisamos recuperar o tempo perdido e a sabedoria dos antigos. Afinal, que conceitos modernos são esses que não punem fraudadores, sonegadores e corruptos? Quando crianças morrem de fome em becos e favelas? Que eleva o marginal de riqueza espúria e tripudia o honesto? Inversão de valores, segregação de idéias, subversão da verdade, esses são os predicados apreciados pelos ‘vencedores’ da atualidade.  Antigamente um diploma era considerado bem de família; hoje, ultrapassado, quando se pode acumular dinheiro viciando os jovens, matando e roubando.
                                               Sendo assim, que voltem os pingüins de geladeira, os doces de abóbora com coco, mamão verde ralado com cravo-da-índia e suspiros caseiros, antes que as tradições se percam e o convívio social desapareça. Sim, sejamos cafonas mas coerentes; pobres e não indolentes ou ladrões; sinceros com as nossas verdades: de preferência saboreando um sorvete de baunilha que a vovó fazia, que a criança sorria, que a sabedoria existia e que a convivência era sadia... Tudo cafona, até a rima.

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