AI QUE SAUDADE DA
AMÉLIA
Neumar
Monteiro
Saudade de tantas Amélias que se foram
desta vida, que cuidavam do lar e educavam seus filhos sem retribuição ou
reconhecimento. Amélia que era mulher de verdade na singeleza de seu cotidiano
do fogão a lenha ao ferro a brasa. Vestida de algodão e calçando chinelas, que
mulher era aquela que tinha tanta força muito embora o silêncio das suas
palavras?
Outro tempo,
quando os caminhos eram sombreados por árvores frondosas que emendavam sua
folhagem como uma colcha de retalhos verdes. Hoje quase não temos verde, nem o
vermelho-amarelo das frutas de estações. Ainda bem que restaram as mangas,
apesar de todo um alfabeto de destruição que vai dos araçás à zamboa, fruta
cítrica semelhante à cidra. Citando uma frase antiga diríamos que tudo foi pra
“A Tonga de Mironga do Kabuletê”, como registrou o compositor Toquinho que
ouviu a expressão na casa de Vinicius de Moraes em Salvador, na Bahia,
equivalente a um xingamento nagô de uma tribo oriunda da África. Virou febre e
enlouqueceu platéias.
“Ai que
Saudade da Amélia”, dos compositores Mario Lago e Athaulfo Alves, de 1941, continua
um sucesso mesmo transcorrido tantos anos. Além da nostalgia que nos traz o
samba, lembra-nos que a sabedoria de toda uma geração de Amélias forjou a
mulher moderna, sem preconceitos, que firmou sua igualdade perante o mundo.
Hoje dirige carros importados e segue com sucesso o rumo que lhe aponta o nariz.
O mundo
mudou, e o termo “Repimboca da Parafuseta” sumiu do linguajar dos mecânicos.
Tal termo era aplicado quando não se conseguia identificar o defeito de um
carro. Era chique e não significava coisa nenhuma, só uma maneira de enrolar o
dono do veículo. Apenas o registro de uma curiosidade daqueles tempos.
Tantas coisas
interessantes e preciosas de um passado recente já que se pode ser lembrado. Somente
o que se esquece vira passado; o que se lembra vira lembranças.
Da tonga de mironga
até a repimboca da parafuseta o mundo deu muitas voltas: o Brasil elegeu o Lula, Estados Unidos o
Barack Obama, Bom Jesus não resolveu a eleição e o pãozinho de sal não cabe no
bolso dos pobres. Tudo na mais perfeita ordem, tudo na mais santa paz, como
canção de Toquinho e Vinicius.
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