quarta-feira, 7 de outubro de 2020

CRÔNICAS & ARTIGOS

 

UÍSQUE COM GUARANÁ  - STATUS   04 - 2006                                                                                       

                                                                                                    Neumar Monteiro

                                                                            (neumarmonteiro.blogspot.com)

 

Tenho orgulho de pertencer à geração do Cuba Libre e do uísque com guaraná. Um tempo sadio, em que a maior ousadia era dançar de rosto colado ao som de “Amore Scusame” e “Dio Come Ti Amo”,  como era usual nas décadas de sessenta e setenta.

            Eram tantos bailarinos aqui e ali, que o mundo parecia girar e girar para fazer ainda mais bela a vida dos jovens. Tantas paixões embaladas por “Aqueles Ojos Verdes” e Besame Mucho” músicas sussurradas pelos rapazes aos ouvidos das meninas, sob o instrumental de Ray Connif. Tempo bom, era um cinema no fim de semana quando, numa grande audácia, os namorados pegavam nas mãos das namoradas, carícias inesquecíveis que o escurinho do cinema encobria. Um bolero e um Cuba Libre, e o flerte começava dengoso até transformar-se num namoro mais sério,  às vezes demorando muitas semanas ou meses entre um e outro. Tudo dava um tremendo trabalho quando ainda não existia o “ficar com fulano”, muito comum nos dias de hoje.

            Sim, tenho muito orgulho de lembrar-me do Elvis Presley e dos Beatles, bem como de ter vivido belos sonhos ao som do Rock n’roll e da cumplicidade de “Tu Me Acostumbraste” cantada por Roberto Yanés ou Lucho Gattica. Quanta gente não tem até inveja dessas lembranças? Posso dizer do alto da minha experiência que contribui, de certa forma, para a liberação social das mulheres, vivendo numa época em que até fazer faculdade era proibitivo ao sexo frágil. Mulher nascia para o casamento, bordados e prendas domésticas, sob pena de ser mal olhada ou banida da sociedade de “gente de bem”. Estudar fora, só algumas de famílias mais abastadas. Quando muito um diploma do Curso Nornal em colégios da própria cidade.

            Havia é claro as que se rebelaram ensejando caminhos próprios e subvertendo os valores vigentes, mas o preço era alto e a cobrança certa, tanto em casa como na sociedade. Dessa estirpe, que venceu os preconceitos e fez história, citamos Elis Regina, Rita Lee, Wanderleia, Leila Dinis e Regina Duarte, juntamente com a internacional Dionne Warwick, servindo de exemplo para todas nós.

            Não creia que as vitórias acontecem por acaso. Muito pelo contrário, resultam de muitas lágrimas, sofrimentos e renúncias. Se tiverem como inspiração o romantismo do   Roberto Carlos, o Rei da Juventude, ou do trio Chico-Caetano-Gil, bem melhor. Mas olhando aquele retrato em preto e branco, com um quê de amarelecido nos cantos, compreendo que os famosos Anos Dourados foram, afinal, um tempo de transição, tão importante como o som estereofônico das vitrolas hi-fi para o moderníssimo CD.

            Um tempo mágico que desnudou conceitos, derrubou valores e consagrou o direito ao amor livre. Tão importante que se somou aos outros tempos permanecendo único e, ao mesmo tempo, inseparável, numa fusão perfeita de presente e passado que só o “dois pra lá dois pra cá” dos boleros consegue reunir numa mesma e eterna saudade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário