UMA CANECA DE CAFÉ
COADO
Neumar Monteiro
O aroma de café
torrado, aquele perfume reconfortante que nos enche de satisfação, um sentido de
reunião e de aconchego familiar. Toda a casa envolvida nos afazeres domésticos
de torrar os grãos do café no fogão a lenha e depois moê-lo no velho moinho da
vovó; após, guardá-lo na antiga e descascada lata de biscoito ou num pote
grande de vidro adquirido no Empório do Zanon.
Os
grãos, comprados e anotados na caderneta do armazém do José Bastos, eram
quitados mensalmente junto a outros produtos usados no dia a dia. O café
arábica tradicional e o gourmet faziam sucesso nos lares. Beber um cafezinho recém
coado amolece o coração; servi-lo quentinho às visitas abranda qualquer
conversa e desfaz as tensões que, por acaso, pairam no ambiente. É chique e
elegante. Merece destaque que em 1952 foi criado o Instituto brasileiro do Café
(IBC), formado por cafeicultores, que definiu as diretrizes da política
cafeeira até 1989.
O
fogão recebia várias camadas de barro branco para ficar bonito como os donos
queriam ou cal virgem misturado com água. Em cima do fogão ficava o ferro de
passar carregado com brasas incandescentes, quando ainda não existia o ferro
elétrico. Naquele tempo eram escassas as lojas que vendiam roupas prontas,
também o dinheiro era difícil, e as camisas, fraldas do bebê e os vestidos eram
costurados na máquina Singer tocada à mão. O rádio era a válvula, Philips,
Philco, Semp ou Telefunken, os mais comuns, com antena na cumeeira da casa e
transmitindo as notícias em meio a previsíveis chiados.
Passear
pelas ruas de Bom Jesus era apreciar simultaneamente vários estilos
arquitetônicos que iam das residências pequenas e singelas que se espalhavam
por toda área urbana e rural do município, ao colonial, enxaimel, neoclássico,
art-deco, barroco, rococó e art-nouveau, naquele amálgama que os historiadores
denominam ecletismo. Casas que há muito foram
derrubadas para desprazer daqueles que sabiam valorizá-las. Hoje só resta uma
pequena amostra daquilo que um dia foi arte e encantamento.
Residências
e prédios públicos com acabamento de frisas com desenhos sinuosos; frontões,
alpendres, relevos e adereços como guirlandas e desenhos geométricos moldados
com gesso e pintados a mão, fora e dentro das casas. Era ainda comum encontrar
no interior das residências objetos e documentos que lembravam a terra de
origem dos ancestrais: fotografias, cadernos de receitas centenárias, discos de
vinil, filmes antigos, livros e objetos de uso domiciliar como gramofone,
piano, máquina de costura com gabinete de madeira e relógios de parede. Tudo
perdido conforme o esvair do tempo. Pena que nunca tivemos um museu para
abrigar essas raridades.
O
ontem e o hoje... Como será o amanhã? O muito que perdemos, ganhamos em
modernismo. Só o tempo, o eterno divisor de águas, apontará o que realmente foi
lucro ou prejuízo.
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