sábado, 15 de outubro de 2011

O NORTE FLUMINENSE -01/2007

                                        ORQUIDEA AZUL


                                                                                       Neumar Monteiro 

Olhando o passado de longe, como olho hoje, tão precioso em emoções e aprendizagens de vida, relembro as orquídeas que floresciam nos jardins da minha saudade. Lindas orquídeas, em caules elegantes tão altos que pareciam tocar o céu, amarradas em uma mangueira de tronco enorme, que precisava de cinco crianças de mãos dadas para abarcá-lo no amplo quintal da casa da doceira Adélia. Que portentosos galhos em tão robusto tronco!... No tempo das mudas trocadas com os vizinhos e das conversas miúdas com as comadres. Também se praticava, com frequência, os enxertos em plantas na busca de variedades e outras colorações. Foi assim que conheci a inesquecível Orquídea Azul, fruto de sucessivas experiências de habilidosas jardineiras. Nunca mais vi nenhum exemplar daquela cor.
Bom Jesus era diferente. Não esse descaso acentuado nem essa correria que empreendemos hoje, mas um dormitar tranquilo de cidade interiorana guiada pelo púlpito da Igreja Católica e pelo Delegado. Os professores, muito respeitados, extrapolavam a grade curricular buscando a família do estudante como extensão da sala de aula. Era importante essa proximidade. Toda uma geração estudou com as saudosas mestras Carmita, Carmélia, Clarisse, Mariquinha, Guelmar, Adélia, Bárbara, Amália, Vanda e tantas outras que fizeram da educação um ato de amor e desprendimento.
Se tudo for analisado com a filosofia minimalista atual e o comportamento desprovido de emoção, talvez alguém considere essas lembranças desnecessárias ou piegas. Pelo contrário, em plena era da industrialização dos sentimentos é que se faz necessário preservá-las. Uma questão de cultura e de respeito à história nos leva a trazê-las ao público. 
Impossível esquecer-se dos bibelôs (biscuit) que enfeitavam as cristaleiras, marca Goebel ou Galluba & Hoffmann e dos pinguins de porcelana em cima da geladeira; das peinetas, de baquelite ou marfim, estilo e época art déco, que prendiam os cabelos das senhoras; pratarias brasileira e portuguesa, bem como o mobiliário do século XIX, heranças dos avós, usados nas fazendas; armário alemão de 1934 e banco de ferro e madeira, década de 1940; máquina de café, de 1950; caneta-tinteiro Parker 51 modelo Vacumatic com joia dupla produzida de 1941 a 1948; Caixa Registradora National; relógio Patek Philippe e rádio Phillips de madeira e botões de baquelite; urinois (penicos) feitos de ágata, porcelana e até de barro da F. Winkle and co.; jogos de chá, Porcellana Mauá, dos anos 1950; pratos de cerâmica Matarazzo, 1950; Forte Apache, entre as décadas de 1950 a 1970; Dicionário Prático Ilustrado, edição 1961 de Lello e Irmão; kits de avião civis e militares, como o Puma AS 330, 1940 a 1970; perfumeiros de cristal overlay, dentre outros.
Um pequeno registro de objetos que acompanharam a infância de muita gente. Um entremeio de vida, um paparico de recordação. Quem descobrir um exemplar da inesquecível Orquídea Azul mande notícias, porque até hoje sonho encontrá-la.

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