APENAS UM FIO
DE BARBA
Neumar Monteiro
Hoje não se mede o caráter de um homem por um fio de barba nem pela
digital do polegar, conforme décadas anteriores: deterioraram-se os parâmetros
e fragmentou-se a confiança mútua. Tudo é deduzido pelo dinheiro ou pela
aparência, como se dignidade tivesse cara, bens ou peso.
Houve
um tempo em que os filhos diziam com orgulho: meu pai era pobre, porém honesto,
e com ele aprendi a ser digno e a respeitar o próximo. Nestes tempos difíceis a
convivência esfriou, a amizade arrefeceu-se e a honestidade virou coisa de
bobo, enquanto a esperteza subiu para a categoria mais apreciável para se dar
bem na vida. Irmão contra irmão projetando o exemplo de Caim na luta fratricida
de sobressair-se em detrimento do outro. Um vale tudo, uma tacada de sorte, uma
rasteira sem dó no sentimentalismo e nos obstáculos. Assim são os nossos dias.
Não
que em outras épocas não existissem os espertalhões; sempre existiram. Não obstante,
muito embora a transgressão, talvez restasse no fundo da consciência o remorso
do ato praticado, do pão subtraído e da ignomínia perpetrada. Sinceramente, já
não cremos em remorso, em justiça ou no castigo divino. O homem atual fechou-se
num casulo onde habita sozinho num ego inflado de orgulho. Pouco a pouco nos
transformamos no algoz de nós mesmos, cheios de traumas, neuroses, depressões e
insensatez – frutos da nova mentalidade.
Talvez,
por tudo isso, nossos olhos sempre se volvam para o passado quando as ilusões
eram tantas que corriam céleres para o futuro. Aqui chegamos os sobreviventes
do AI-5, época da repressão política em nome da segurança nacional e de tantos
outros percalços que nos vincaram o rosto, mas ainda capazes de velejar esperançosos
pelos mares da vida. Reaprendemos a sorrir apesar do que já passamos na
trajetória. Não o riso solto que bailava
em nossos lábios, mas o sorriso adulto dos que venceram apesar de tudo. Nos
dias atuais, de vicissitudes tantas, compreendemos a aventura da sobrevivência,
fato tal que concluímos: só sobrevivem os que merecem envelhecer.