segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

PUBLICADO EM 04 - 2008



 APENAS UM FIO DE BARBA                 
                                                             Neumar Monteiro            

                         Hoje não se mede o caráter de um homem por um fio de barba nem pela digital do polegar, conforme décadas anteriores: deterioraram-se os parâmetros e fragmentou-se a confiança mútua. Tudo é deduzido pelo dinheiro ou pela aparência, como se dignidade tivesse cara, bens ou peso.
                                   Houve um tempo em que os filhos diziam com orgulho: meu pai era pobre, porém honesto, e com ele aprendi a ser digno e a respeitar o próximo. Nestes tempos difíceis a convivência esfriou, a amizade arrefeceu-se e a honestidade virou coisa de bobo, enquanto a esperteza subiu para a categoria mais apreciável para se dar bem na vida. Irmão contra irmão projetando o exemplo de Caim na luta fratricida de sobressair-se em detrimento do outro. Um vale tudo, uma tacada de sorte, uma rasteira sem dó no sentimentalismo e nos obstáculos. Assim são os nossos dias.
                                   Não que em outras épocas não existissem os espertalhões; sempre existiram. Não obstante, muito embora a transgressão, talvez restasse no fundo da consciência o remorso do ato praticado, do pão subtraído e da ignomínia perpetrada. Sinceramente, já não cremos em remorso, em justiça ou no castigo divino. O homem atual fechou-se num casulo onde habita sozinho num ego inflado de orgulho. Pouco a pouco nos transformamos no algoz de nós mesmos, cheios de traumas, neuroses, depressões e insensatez – frutos da nova mentalidade.
                                   Talvez, por tudo isso, nossos olhos sempre se volvam para o passado quando as ilusões eram tantas que corriam céleres para o futuro. Aqui chegamos os sobreviventes do AI-5, época da repressão política em nome da segurança nacional e de tantos outros percalços que nos vincaram o rosto, mas ainda capazes de velejar esperançosos pelos mares da vida. Reaprendemos a sorrir apesar do que já passamos na trajetória.  Não o riso solto que bailava em nossos lábios, mas o sorriso adulto dos que venceram apesar de tudo. Nos dias atuais, de vicissitudes tantas, compreendemos a aventura da sobrevivência, fato tal que concluímos: só sobrevivem os que merecem envelhecer.

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