sábado, 7 de dezembro de 2013

O NORTE FLUMINENSE - 04-2008



EU NÃO SOU CACHORRO NÃO
                                                                                     Neumar Monteiro

                                   A época do “Besame Mucho” passou. Agora os tempos são outros, fragmentados, onde não têm vez os melodramas musicais. A música atual reflete um frenesi de pessoas estressadas, que querem expurgar de si o cansaço da agitação cotidiana. Funciona,  a grosso modo, como catarse de corpo e de alma o ritmo alucinante; o controverso funk enche os salões na apoteótica “dança do créu”, e a Mulher Melancia, com seus 119 centímetros de quadril, provoca o delírio dos fãs num ritmo libertino que extravasa erotismo e luxúria.

                                   Nada como antes nesta era da informática e dos aviões supersônicos. A vida corre desvairada querendo abraçar o futuro com garras de leoa. Inaugura a ‘inventança’ de criar coisas novas que gerem lucros e que os devolva em dividendos cada vez maiores.

Transitoriedade: como a música de Nelson Ned “e tudo passa, tudo passará”. Há que se aposentar os bordões dos violões, o canto gregoriano, as valsas, boleros, sambas e os tangos, como simulacros de um Carlos Gardel desdentado e recolhido em uma clínica de repouso para idosos.

                                   O homem passa uma borracha no passado. Como um mágico, cria e recria a própria invenção que já se torna obsoleta logo que entra no mercado. Desvario de ideias, atropelo de sentimentos e ganância desenfreada. Almeja ser maior que o Criador: entorpecer os sentidos, revirar o mundo, aparecer na mídia e ganhar dinheiro, talvez para esquecer a finitude da vida.

                                   Não tem mais sentido as coisas boas do bem viver como passear à tardinha, visitar um vizinho, prosear com amigos, brincar de roda, ouvir música de qualidade, cantar em programa de calouro, beber leite da roça, andar de carro de boi, correr na chuva e colher araçás no mato. Isto não dá ibope.

                                   Que nos perdoe Noel Rosa, Ary Barroso, Chico e Caetano; que nos redima a posteridade dos erros musicais que cometemos; que no futuro haja bom senso; que possamos ouvir Cauby Peixoto sem passar por brega, e que Waldick Soriano cante “eu não sou cachorro não” sem parecer ultrapassado. Enfim, que Deus nos liberte do créu neste mundo incréu; e que o céu nos livre e guarde de todas as invencionices e sandices musicais de mau gosto que ainda estão por vir.   






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