EU NÃO SOU CACHORRO
NÃO
Neumar
Monteiro
A
época do “Besame Mucho” passou. Agora os tempos são outros, fragmentados, onde
não têm vez os melodramas musicais. A música atual reflete um frenesi de
pessoas estressadas, que querem expurgar de si o cansaço da agitação cotidiana.
Funciona, a grosso modo, como catarse de
corpo e de alma o ritmo alucinante; o controverso funk enche os salões na
apoteótica “dança do créu”, e a Mulher Melancia, com seus 119 centímetros de
quadril, provoca o delírio dos fãs num ritmo libertino que extravasa erotismo e
luxúria.
Nada
como antes nesta era da informática e dos aviões supersônicos. A vida corre
desvairada querendo abraçar o futuro com garras de leoa. Inaugura a ‘inventança’
de criar coisas novas que gerem lucros e que os devolva em dividendos cada vez
maiores.
Transitoriedade: como a música de
Nelson Ned “e tudo passa, tudo passará”. Há que se aposentar os bordões dos
violões, o canto gregoriano, as valsas, boleros, sambas e os tangos, como
simulacros de um Carlos Gardel desdentado e recolhido em uma clínica de repouso
para idosos.
O
homem passa uma borracha no passado. Como um mágico, cria e recria a própria
invenção que já se torna obsoleta logo que entra no mercado. Desvario de
ideias, atropelo de sentimentos e ganância desenfreada. Almeja ser maior que o
Criador: entorpecer os sentidos, revirar o mundo, aparecer na mídia e ganhar
dinheiro, talvez para esquecer a finitude da vida.
Não
tem mais sentido as coisas boas do bem viver como passear à tardinha, visitar
um vizinho, prosear com amigos, brincar de roda, ouvir música de qualidade, cantar
em programa de calouro, beber leite da roça, andar de carro de boi, correr na
chuva e colher araçás no mato. Isto não dá ibope.
Que
nos perdoe Noel Rosa, Ary Barroso, Chico e Caetano; que nos redima a
posteridade dos erros musicais que cometemos; que no futuro haja bom senso; que
possamos ouvir Cauby Peixoto sem passar por brega, e que Waldick Soriano cante
“eu não sou cachorro não” sem parecer ultrapassado. Enfim, que Deus nos liberte
do créu neste mundo incréu; e que o céu nos livre e guarde de todas as
invencionices e sandices musicais de mau gosto que ainda estão por vir.
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