sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

CRÔNICAS & ARTIGOS

 

AS TANAJURAS VOLTARAM  -    NF 11 - 2007                

                                                                                                    Neumar Monteiro

                                                                                        

                                 Mal começaram as chuvas e as tanajuras apareceram. Que alegria recordar o tempo de criança quando, em brincadeira cruel, os meninos espetavam as tanajuras num palito fazendo-as bater as asas até a morte. Também era comum colocá-las para brigar, até que a mais forte cortasse a cabeça da outra. Um verdadeiro combate acontecia, com crianças, em debandada, levando dezenas desses insetos para o desfecho fatal.

                                   A volta das tanajuras, que andavam sumidas há muito tempo, trouxe um quê de saudosismo quando ainda existia o horto florestal em Bom Jesus do Itabapoana. Sob a sombra de árvores frondosas, acontecia o despertar da vida embriagada pelo perfume das flores. Todo o horto cheirava a mato pisado, ipês amarelos, acácias e mangas maduras; rico, também, em samambaias gigantes e avencas que, coando o sol, lançavam espectros bordados sobre a terra fértil. Ali aconteciam aulas de zoologia e de botânica, programadas pelas escolas, já que a diversidade da flora e da fauna favorecia o ensino in loco, conforme o exemplo de Bom Bosco que ensinava seus alunos ao ar livre e rodeados de verde. Abaixo do horto, o ribeirão Soledade, com águas transparentes e piscosas, percorria o seu caminho em direção do rio Itabapoana que, naquele tempo, era limpo.

                                   Recordar nos traz o som de Lafayette e seu conjunto que abrilhantou tantos bailes inesquecíveis na juventude. O Aero Clube engalanado para receber os dançarinos, os vestidos esvoaçantes os ternos bem passados e o aroma do perfume “Lancaster”. Após tantos rodopios no salão, nada como um dia seguinte para um piquenique no horto. Toda a turma reunida para comentar a paquera, passear de mãos dadas com o namorado e beber água tônica para combater a ressaca. Sentados no chão, toalha estendida, pão com salame e conversas entremeadas com risos.

                                                           Hoje já não temos o horto florestal nem um lugar apropriado para apreciar a natureza. O impulso imobiliário expulsou o verde. Prédios se erguem sobre um cemitério de acácias, dálias e crisântemos, ceifando a vida das espécies botânicas com pedra e cimento. Fim de uma era de dias amenos e com estações do ano definidas. O calor sufocando as cidades que, à míngua de refrigério, integram o burburinho de um mundo cujo aquecimento global aponta para um trágico fim. O homem não se preocupou em cuidar do Jardim do Éden... Infelizmente, nenhum de nós pensou nisso.

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