sábado, 21 de maio de 2011

REVISTA STATUS - 12/2002

                        PUDIM DE MORANGA  

                                                                               Neumar Monteiro

            Quando eu era criança, minha avó trocava ovos de galinha por pão. O dinheiro era escasso, e só quem “lhe via a cor” eram os ricos da época. Contudo o importante daquele tempo não era o escambo que se praticava, e, sim, na troca, a pechincha que aproximava as pessoas.
         Hoje a convivência tornou-se difícil. A luta pela sobrevivência, aliada aos apelos consumistas da modernidade, isolaram o homem na armadilha de si mesmo. Neste início de século constatamos que a identidade não é determinada pelo nome, mas número do RG ou CPF.
         No momento que revivo na memória fatos do passado, sinto ainda o perfume dos jasmins que, à noitinha, emprestavam prazer às conversas com os vizinhos. Era ainda o tempo de antes da televisão, em que as mulheres colocavam cadeiras nas calçadas das casas enquanto as crianças brincavam de roda e pique bandeira. O advento da televisão funcionou como o divisor de águas que isolou cada um em frente à tela, enquanto modificava antigos hábitos da boa convivência humana.
         O século de grandes avanços científicos e tecnológicos teve, ao final, a marca da impessoalidade, principalmente nas cidades grandes. Ninguém conhece ninguém por detrás das grades das portas. As madressilvas dos muros e as românticas cercas de bambu foram substituídas pelos porteiros eletrônicos. Mal da época, mal do homem.
         De qualquer forma, o mundo sem o abraço amigo e o calor humano tornou-se muito triste. A globalização, num sentido inverso, afastou as pessoas ao invés de aproximá-las e o poder do dinheiro endureceu os corações à medida que estabelecia a competição entre as criaturas, infelizmente para nós.
         Talvez que a única vantagem do transcurso dos anos seja a capacidade de lembrar e comparar as épocas. Das receitas da vovó, trocadas com as comadres, ainda faço o gostoso licor de abacaxi e o apreciado pudim de moranga madura. O mais importante de tudo isso, é bom que se diga, não é praticar receitas centenárias enquanto assisto mesmices pela televisão, mas recordar pessoas queridas que, num átimo de recordação, me trazem o gosto de um abraço e o agradável sentido da partilha e do companheirismo.

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